terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Monitorização não invasiva da perfusão periférica

Em condições fisiológicas, graças à capacidade intrínseca de autorregulação, o fluxo sanguíneo tecidual se mantem constante independente das variações de pressão e pode aumentar ou diminuir de forma a atender a demanda metabólica de cada órgão. Porém, em casos extremos de hipotensão ou hipertensão o fluxo passa a ser dependente da pressão de perfusão e não mais da capacidade de autorregulação local. Nesse ponto, o organismo não consegue mais direcionar o fluxo conforme a demanda .

Em situações de hipotensão importante o sistema simpático é ativado e áreas com maior quantidade de receptores adrenérgicos, como pele e musculatura esquelética, sofrem vasoconstrição importante de forma a desviar o fluxo de sangue para os órgãos nobres, como cérebro, coração e rins. Essa vasoconstrição exacerbada leva a redução da perfusão periférica e pode ser vista precocemente nos estados de choque 

Na sepse a combinação entre hipovolemia, redução da função ventricular e vasodilatação sistêmica, também podem levar a uma perfusão tecidual inadequada que pode ser persistente mesmo após a normalização dos parâmetros hemodinâmicos sistêmicos 

Independente do tipo de choque os tecidos periféricos são os primeiros a mostrar sinais de hipoperfusão e os últimos a reperfundir após a ressuscitação, o que torna a sua monitorização uma ferramenta útil para ajudar no diagnóstico e manejo de condições ameaçadoras de vida. Além disto, seus achados podem predizer um pior desfecho clínico independente da presença ou não de alterações de macro-hemodinâmica

A monitorização da perfusão tecidual visa avaliar o desacoplamento entre o transporte e consumo de oxigênio tecidual periférico e pode ser facilmente conseguida na beira do leito usando avaliação clínica simples ou por meio de dispositivos ópticos de monitoração, de forma a evitar procedimentos invasivos que podem levar a eventos adversos

AVALIAÇÃO CLÍNICA DA CIRCULAÇÃO PERIFÉRICA

Tempo de enchimento capilar (TEC)

O TEC é definido como o tempo necessário para que o leito capilar distal recupere a perfusão basal após uma compressão aplicada para provocar palidez. Para realizar a manobra o examinador deve aplicar digito-pressão do 2º quirodáctilo do paciente por aproximadamente 20 segundos e o exame é considerado normal caso o retorno à coloração normal ocorra em até 4,5 segundos. Tempos maiores estão relacionados à hipoperfusão tecidual e maior chance de disfunções orgânicas 

Temperatura da pele
A temperatura da pele é mais bem avaliada quando o examinador utiliza o dorso da mão ou dos dedos, uma vez que estas áreas são mais sensíveis à percepção da temperatura. Os pacientes são considerados como tendo extremidades frias, se todas as extremidades examinadas forem consideradas frias ou se, na ausência de doença vascular periférica, as extremidades dos membros inferiores forem frias, apesar da dos membros superiores permanecerem quentes. Alterações de temperatura mantidas apesar da ressuscitação hemodinâmica inicial também estão associadas à hiperlactatemia e piora das disfunções orgânicas 

Moteamento (Mottling score)
O moteamento da pele é definido como a presença de uma coloração marmóreo-acinzentada com padrão irregular e rendilhado na pele que geralmente se inicia na topografia dos joelhos e é decorrente da vasoconstrição heterogênea dos pequenos vasos, refletindo alterações na microcirculação.

A sua avaliação objetiva foi realizada por Ait-Oufella e colaboradores que avaliaram a relação entre moteamento e sobrevida em pacientes sépticos. Os autores avaliaram a extensão do rendilhamento do joelho em direção à periferia de forma a estabelecer um escore que variava entre 0 e 5, em que 0 representava um paciente sem moteamento e 5 um com acometimento além da região inguinal. Após seis horas da inclusão a presença de oligúria, o nível de lactato e o escore de moteamento estiveram fortemente associados à mortalidade em 14 dias, independente da hemodinâmica sistêmica.  O trabalho também mostrou que escores mais altos estavam associados à mortalidade mais precoce e que a redução no escore após ressuscitação volêmica predizia melhor prognóstico

Gradientes de temperatura
Apesar da temperatura da pele ser facilmente acessível e ser um bom método de monitorização em pacientes com choque, alguns estudos têm demonstrado que os gradientes de temperatura podem ser um melhor método para predizer as alterações no fluxo sanguíneo da pele.   A medida consiste na aferição da temperatura em dois pontos distintos, tais como a temperatura central-artelho, periferia-ambiente ou antebraço-ponta dos dedos 
Quando a oferta de oxigênio para a pele diminui, a temperatura cai e, como a vasoconstrição da pele reduz a perda de calor corporal, a diferença entre a temperatura central e da pele pode ser utilizada para diagnosticar e avaliar resposta ao tratamento nos casos hipoperfusão global. Desta forma, um gradiente artelho-central entre 3-7ºC está presente em pacientes com hemodinâmica otimizada e valores > 7ºC estão relacionados à má perfusão periférica e a maior morbimortalidade (2,3). 
Bourcier e colaboradores realizaram um estudo prospectivo observacional unicêntrico recente avaliando os gradientes de temperatura após 6 horas de ressuscitação em pacientes com sepse grave (atualmente apenas sepse) e choque séptico. Foram avaliados os gradientes de temperatura central-artelho, central-joelho, artelho-ambiente e joelho ambiente. Os autores avaliaram 63 pacientes com choque séptico e 40 com sepse grave e observaram que quando comparados, o primeiro grupo possuía um gradiente de temperatura central-artelho significativamente maior (12.5 X 6.9°C, < 0.001) e um gradiente artelho-ambiente significativamente menor (1.2 x 6.0°C, < 0.001) que o segundo grupo. Após a ressuscitação inicial o gradiente de temperatura artelho-ambiente foi significativamente menor em pacientes que faleceram por disfunção de múltiplos órgãos quando comparados aos sobreviventes (−0.2°C x +3.9°C, < 0.001) e a diferença aumentou nas primeiras 24 horas. Além disto, este gradiente também esteve de acordo com outros parâmetros de perfusão tissular, como lactato arterial, débito urinário, tempo de enchimento capilar do joelho e o escore de moteamento 

MONITORIZAÇÃO ÓPTICA

Índice de perfusão periférica (IPP)
O oxímetro de pulso emite luz vermelha (660 nm) e infravermelha (940nm) sobre o leito cutâneo vascular da falange distal do paciente e faz a distinção entre oxihemoglobina (HbO2) e desoxihemoglobina (Hb) com base no modo em que elas absorvem a luz. A HbO2 absorve mais luz infravermelha enquanto a Hb absorve mais luz vermelha, sendo a saturação de oxigênio determinada pela relação entre os diferentes comprimentos de onda absorvidos 
Outros tecidos (ossos, músculo e interstício) e o sangue venosos também absorvem a luz. A oximetria de pulso consegue distinguir o componente pulsátil arterial do não pulsátil através da absorção diferente dos dois comprimentos de onda. Desta forma o aparelho consegue reconhecer e excluir o componente não pulsátil, utilizando assim apenas o componente pulsátil para calcular a saturação arterial 

O índice de perfusão periférica (IPP) é derivado a partir do sinal pletismográfico fotoelétrico do oxímetro de pulso e é a razão entre a parte pulsátil e a parte não pulsátil da curva, expresso como uma porcentagem.   Alterações na perfusão periférica levam a variações no componente pulsátil (arterial) e, já que o componente não pulsátil se mantem estável, a relação entre eles se altera. Neste contexto, o IPP reflete as alterações no tônus vascular periférico de tal forma que o índice se eleva quando a amplitude da porção pulsátil aumenta com a vasodilatação e se reduz nos casos de vasoconstrição periférica 
Em paciente saudáveis, o valor de IPP normal é de 1,4% e, em pacientes criticamente enfermos, valores < 1,4% estão relacionados à maior morbidade e mortalidade 


Retirado de http://www.pacientegrave.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Escreve aí...